Nós, professores, investigadores e estudantes do Programa de Pós-Graduação em Museologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT), em Lisboa, Portugal, repudiamos a Medida Provisória nº 850/2018 que extingue o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e cria a Agência Brasileira de Museus (ABRAM). A medida, que foi implantada de forma autoritária e sem qualquer consulta ao setor museológico ou à sociedade, incendeia 9 anos de trabalho participativo e de desenvolvimento institucional de uma Política Nacional de Museus (PNM), de cujo processo de criação a ULHT teve a honra de participar.
A Política Nacional de Museus, lançada em 2003, na gestão do ex-Ministro da Cultura e Doutor Honoris Causa pela ULHT, Gilberto Passos Gil Moreira, que se tornou um referência inspiradora no campo da museologia em vários países, foi um instrumento de renovação e fortalecimento do setor, que orientou o novo Instituto Brasileiro de Museus a estabelecer importantes ações no cenário museológico das quais a nação brasileira muito se beneficiou, tais como:
Com a extinção do IBRAM, órgão executor dessa política, e a criação da ABRAM, mudam-se essas diretrizes: confere-se ao mercado o poder de decisão sobre os caminhos das políticas culturais para os museus brasileiros; privilegia-se o modelo de “museus-espetáculo” e aprofunda-se a exclusão dos processos museais populares em curso, espalhados por todas as regiões do país. Essas experiências museais protagonizadas por comunidades de favelas, quilombolas, indígenas, LGBTQ+ e tantas outras, são expressões da diversidade cultural e da efervescência política e cultural da Sociomuseologia brasileira, reconhecida e respeitada pelos seus pares internacionais. Porém, notadamente, não serão objetos de interesse de um mercado regulado por uma agência de direito privado, como se propõe a ABRAM.
Na realidade, essa MP é uma “janela de oportunidade” para a privatização dos museus brasileiros e apresenta-se como a solução para o processo de precarização provocado pelas políticas de austeridade e de cortes orçamentários implementadas pela própria União. Nos últimos três anos, o que assistimos foi um Estado a matar os seus museus por inanição orçamentária para, ao final, entregá-los debilitados à sanha do mercado, por meio do polêmico modelo neoliberal de gestão de museus via Organizações Sociais (OS), já implantado em alguns estados brasileiros e que, em sua história mais recente, demonstrou não garantir a solução dos problemas estruturais dos museus. O incêndio do Museu da Língua Portuguesa, bem como a desestruturação de alguns museus do País regidos por esse sistema, são exemplos concretos. A prometida geração de recursos via criação de fundos patrimoniais, por meio da MP nº. 851/2018, espelhada em modelos internacionais, é mais uma falácia desse conjunto de propostas autoritárias. O empresariado brasileiro já dispõe de um mecanismo de incentivos fiscais para o financiamento à cultura mas, no campo do patrimônio, prefere promover a imagem das suas empresas nos megaprojetos dos “museus espetáculos”. Colocar os museus no leilão do mercado, não é uma resposta eficiente à falta de financiamento ao patrimônio. É um «lavar as mãos» por parte do Estado.
Diante desse quadro, conclamamos a sociedade brasileira a não calar-se diante dessa atitude governamental autoritária, que transforma em cinzas anos de trabalho, de intensos debates e de construção coletiva. Convocamos a comunidade internacional de museólogos, profissionais de Museus, estudantes de Museologia, professores e investigadores da área da Museologia que denuncie, que se insurja contra estas duas Medidas Provisórias nº 850 e nº 851, ambas de 10 de setembro de 2018. O Departamento de Museologia da Universidade Lusófona e todo o seu corpo docente e discente, bem como a sua Cátedra UNESCO Educação, Cidadania e Diversidade Cultural, parceira do IBRAM desde 2017, repudia tamanho desmonte do setor museológico brasileiro e coloca-se nas trincheiras, ao lado dos trabalhadores dos museus, gestores, professores e estudantes brasileiros, na luta pela revogação dessa Medida Provisória.
“Esquecemos que os bens se preservam quando se constituem em valor. Não em valor para uma minoria, ainda que seja uma ‘inteligência’ atuante: mas num valor social, derivado de uma consciência que dele se tem como fator fundamental, como condição absoluta de ser e de existir. (Waldisa Rússio, década de 1970)
Lisboa, 14 de setembro de 2018